O mundo da voltas e gira, deixando a gente tonta. Às vezes eu acho que minha vida é uma novela, mas isso só é coisa da minha cabeça mesmo.
Numa noite qualquer do começo de agosto de 2011 eu e meu marido fomos parados pela Jandarma, que fazia um controle rotineiro em nossa vila. Não falava nada em turco, não tinha o passaporte comigo (no dia anterior tínhamos dado entrada na minha permissão de residência).
Eu só tinha o RG brasileiro comigo, que vale tanto quanto uma casca de banana aqui ...
O que me salvou foi o fato do sargento ser louco por futebol e me pedir os palpites do campeonato brasileiro ...
Dias depois, a imigração manda a Jandarma fazer controle lá em casa, e eu reconheci o sargento. Servi café brasileiro e chá para ele e seus homens. Naquele dia ele nem quis ver meu passaporte. "Acredito em você." foi o que eu entendi.
Hoje, lá na frente do colégio onde meu marido vota estava o mesmo sargento - cujo nome não guardo de jeito nenhum - e seus homens, fazendo a segurança e impedindo boca de urna.
Dessa vez eu é quem fui falar com ele.
- Olá oficial, o senhor se lembra de mim? Sou a brasileira que mora lá no topo da montanha...
Ele apertou minha mão, me olhando boquiaberto, num misto de surpresa e confusão.
- Mas você está falando turco!
O tempo passou ... muito tempo passou e eu trabalhei duro. Meu marido investiu em mim. E eu honrei cada centavo desse duro investimento.
O sargento me perguntou várias coisas sobre meu país, se eu não ficava entediada de passar o dia sozinha na roça onde moramos, se eu criava patos (sim, patos!!!) para passar o tempo.
- Oficial, esse não é meu estilo de vida. Eu sou como as mulheres de İstambul - que estudam e trabalham!
Ele me olhou admirado. E perguntou quantos idiomas eu falava. Depois comentou:
- Meu Deus, por que todo estrangeiro fala mais de 3-4 idiomas? Nosso povo é muito preguiçoso mesmo! - e olhou por cima do meu ombro, dizendo: - Acho que eles nunca viram uma estrangeira antes. Pararam aqui por sua causa!
Ao sargento se juntaram outros: o atual "Muhtar" do vilarejo, candidato à reeleição, e seus cabos eleitorais, e algumas crianças curdas e outras filhos de ciganos que moram na aldeia (posso dizer que moramos em uma...) que me perguntaram se eu conhecia o Neymar e o Alex de Souza.
"- Gente, nunca vou esquecer desse dia, nunca vi isso na minha vida!" - foi o que escutei de um deles.
O sargento ainda achou de inventar que meu pai era famoso no Brasil, era prefeito de São Paulo kkkk
Meu marido tava subindo a rampa da saída da escola e quando me viu rodeada por uma pequena platéia abriu um sorriso. Parou, trocou idéia com o pessoal e telefones. Depois fomos embora.
Acenaram pra gente quando nosso carro passou. Diferente da primeira vez quando fui abordada e espiada apenas como um bicho exótico hoje eu me senti mais do que gente: me senti celebridade.
Será que rola deu ser vereadora?