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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O antes e depois deu aprender Turco – e como isso mudou minha vida


Olá pessoal,

Gostaria de compartilhar um pouco das minhas reflexões sobre a Língua Turca e as mudanças que ela promoveu depois que passou a fazer parte da minha vida nestes últimos 5 anos …
Lembro que tentei aprender Turco frequentando um curso gratuito promovido numa universidade na cidade onde moro, isso em 2007. Ficava do outro lado da cidade e eu ia duas vezes por semana lá – um ônibus e depois metrô, bem na hora do rush. Depois tentei pela internet. E nessas eu acabei conhecendo o Mustafa – com quem me casei em 2011. Mas Turco que era bom não aprendi naquela época...

Lembro que na primeira viagem que fiz à Istambul tive o desafio de pedir informações justo para um turco que não falava inglês – isso dentro do aeroporto. Depois já em İzmir era muito estranha a sensação de estar alheia ao que falavam ao meu redor, às decisões que o Mustafa – na época meu namorado – tomava. Ele me perguntava, traduzia mas acho que chegava um ponto que dava no saco ficar falando a mesma coisa duas vezes em dois idiomas diferentes. E, apesar de falarmos inglês tínhamos lá nossas limitações em alguns pontos muito específicos.
Quando eu me mudei para lá em definitivo o fato de não falar turco me causou muitos problemas:
-        -  Parentes dele tomavam decisões por mim, e muitas vezes eles sabiam menos do que eu sobre determinados assuntos e mesmo assim, pelo fato deu não falar o idioma deles não me levavam à sério;
-         - As reuniões de família eram um porre! Os turcos se reunem bem "a la clube da luluzinha", homens numa sala e mulheres em outra. Assim eu ficava sem meu tradutor (o Mustafa) ao meu lado e comia toda sorte de coisas que não podia comer, ficava doente e parava no pronto-socorro;
-         -  Meu marido, por não saber como traduzir determinadas coisas para o inglês acabava tomando decisões sem me consultar e isso causava brigas homéricas entre a gente! Sim, porque eu achava que se ele não me contava é porque tava me escondendo algo, quando na verdade não era nada disso;
-          - A minha concunhada distorcia coisas sobre mim para os outros (soube disso quando peguei ela falando pras irmãs dela que eu não gostava de café turco, mas de um modo pejorativo pra me fazer passar por “estrangeira fresca” - fazia uns 6 meses que eu já entendia o que falavam e fiquei dando uma de besta até chegar nesse dia...);
-       -  Meu marido não sabe dizer “não” e não briga pelos direitos dele como consumidor. E esse é um perfil totalmente oposto do que eu sou! Assim ficava contando com ele tomar as dores por mim e ficava frustrada – e brigava com ele – quando ele ficava inerte, não fazia do jeito que eu faria se falasse turco;
-     -  Eu não tinha um nome, eu era a “estrangeira” (yabancı) ou “a esposa do Mustafa” ou “a yenge”.
    - Lembro quando fui ao ginecologista pela primeira vez em İzmir e meu marido não sabia traduzir para o inglês o vocabulário inerente à esse tipo de consulta. E isso me deixou louca da vida! Mas a gota d’água foi quando eu fiquei internada pela primeira vez (por causa da pimenta-do-reino) e ele disse que não podia fazer nada (eu estava morrendo de dor e estava esperando fazia duas horas).
Daí eu pensei “se eu morrer vou morrer brigando” e derrubei o telefone que estava ao lado da minha maca e comecei a gritar em turco chamando pelo diretor do hospital. De repente veio uma enfermeira atrás da outra. Gritei que estrangeiro não era bicho e que eles tinham que respeitar, que hospital era aquele e tals …

Depois desse dia meu objetivo único e exclusivo era nunca mais permitir que me humilhassem por falta de saber falar turco.
Todos os dias eu estudava – criava minhas lições, repetitivas e mostrava para minha sogra. Lia muito, traduzia. E assistia os trocentos programas que meu marido gravava para mim. Eu morava na roça e tinha duas opções: cuidar das galinhas ou estudar turco. Bem, eu preferi o segundo mas sempre arrumava um tempo pra cuidar das penosas, hehe.
Duas vezes por semana eu saia cedo com meu marido que me deixava no centro, então eu ficava circulando pela cidade. Fiz amizades nos restaurantes e lojas. Levava as amigas brasileiras recém-chegadas e tinha a oportunidade de ver se meus estudos estavam rendendo frutos. Houve situação deu reclamar os direitos duma brasileira que tinha sido deixada mais uma amiga do lado de fora de um restaurante, cujo garçom só arrumava mesas que desocupavam para as famílias turcas que chegavam e minha amiga ficando lá, esperando. Era inverno e as duas estavam congelando até que desistiram de esperar.
Quando ela me contou isso eu logo peguei o telefone do restaurante e liguei para falar com o gerente. Lembro que falei logo que era brasileira e que era uma-vergonha-vocês-fazerem-isso com alguém vindo de um país que sempre recebe bem todos os estrangeiros. E no final ainda falei que de que adiantava erguer estátua pro Alex e falar que adora o Brasil se vocês fazem isso bla bla bla. Eu sei que eu forcei bem a barra na minha retórica, misturei alhos com bugalhos e ele falou para eu e minah amiga aparecermos no sábado seguinte.
Fui eu e mais 5 pessoas, mais meu marido que só ficou me assistindo falar com o gerente, ainda argumentando com voz pausada. Me senti gigante com aquele casaco pesado e as botas que usava por causa do frio.
Ele pediu desculpas, reiterou a admiração pelo nosso país e concedeu sobremesa pra todo mundo como cortesia.
Meu marido ficou boquiaberto essa e outras vezes e até hoje quando me vê fazendo valer meus/nossos direitos aqui em terra brasilis – eu sempre fui assim, e aprender o idioma me permitiu voltar a ser eu mesma enquanto morei em İzmir.
E o Turco aqui no Brasil?
Meu marido tem muita resistência em aprender o idioma “é difícil, estou velho, vocês falam para dentro” diz, mas aos poucos ele vai desbravando a nossa Língua Portuguesa. Assim eu sou sua “personal translator” em situações de vocabulário mais complexo, como nas consultas médicas. Mas o danado é fluente no que interessa a ele: se você quiser saber tudo sobre loteria pode falar com ele, em Português mesmo. Além de entender de todas as apostas, baixou o aplicativo que mostra quanto cada uma acumulou e sabe o endereço de todas as lotéricas da região por onde circula. Lembro quando fomos para Itanhaém e no dia seguinte ele falou “na rua de trás tem uma lotérica, vou lá jogar”. E não é que tinha mesmo!

Uso o idioma turco diariamente: seja preparando as aulas ou nas traduções de mensagens; falando com meu marido (a gente se fala 90% em turco 9% em inglês e 1% em português). Ele sabe que não seria o ideal pois retarda o aprendizado dele de português, mas ele tem medo que eu me esqueça.
O bom de saber falar turco mesmo estando aqui é que nenhuma das conversas do meu marido ao telefone passa batido: sei do que está falando e se for o caso me intrometo. O tempo de ficar alheia com decisões sendo tomadas debaixo do meu nariz já passou faz tempo. E você, se identificou com algum ponto deste post? Gostaria de mudar o jogo e aprender turco? Clique aqui e saiba como.


O que veio antes: o Turco ou o Turco?
Na minha vida foi o idioma Turco que veio primeiro, depois o Turco meu marido. E na sua? Compartilhe sua história escrevendo para lucianekoslu@gmail.com (vou escolher três para postar na semana que vem)