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sábado, 16 de janeiro de 2016

Enturcalhar X Enturquecer - minha humilde teoria, baseada em alguma pesquisa e observação

Olá pessoal,

Sei que já faz 1 ano e meio que estou de volta à terra da garoa, que não pisei mais em solo Otomano mas ainda tenho contato com brasileiras que moram na Turquia e mais ainda com quem está indo para lá - ou aí, se o leitor estiver em solo turco.

Devidos aos serviços que oferecemos (aulas de Turco e traduções de correspondências amorosas entre brasileiras e turcos que usam o Google Tradutor para se comunicar e acabam se desentendendo muitas vezes por conta dos erros notórios de tradução do programa), muitas brasileiras entram em contato com a gente e acabam dividindo um pouco da experiência com Turquia, Turcos, Turquices e outras brasileiras na Turquia.

Sem entrar em detalhes (nossos serviços primam pela discrição e sigilo) um aspecto me chamou a atenção recentemente, de um "causo" relatado por uma brasileira recém-chegada à Turquia e eu usei dois termos para diferenciar um fenômeno que venho observando: quando a pessoa enturcalha ou quando ela enturquece.

Isso é alcunha minha, com mais ou menos base científica e análise dos trocentos relatos que nos chegam ou veiculados nos diversos vlogs sobre Brasil e Turquia.

Vamos lá: anos atrás - quando estava na Turquia tentando entender pra que lado o vento soprava - eu baixei um trabalho entítulado "Os efeitos da expatriação sobre a identidade" da FGV, de Juan Miguel Rosa Gonzalez e José Arimatés de Oliveira. Este veio com apenas 14 páginas que foram muito esclarecedoras.

No trabalho o quadro abaixo ilustra bem a situação:


Todo mundo almeja ficar no canto direito superior, o do "Bicultura" com baixo estresse. Não vamos considerar uma situação em que o indivíduo tem que se mudar a trabalho ou outra que não tenha sido bem sua plena escolha, mas creio que a maior parte dos leitores desse blog está se mudando / vai se mudar ou já se mudou para a Turquia por causa de um grande amor e só espera tudo de bom tudo de lindo. Só que um monte de coisas acontecem e daí uma série de fatores vão determinar em qual posição você vai ficar no diagrama acima.

Parte dessa galera que foi pra Turquia até adota alguns hábitos por acharem melhores que os que tinha no Brasil (eu por exemplo até hoje como salada no café da manhã e sempre que posso vou ao Zaffari comprar nata para fazer o bal-kaymak mel com nata turco). Também tiramos os sapatos ao entrar em casa e eu recalchutei um caixote para servir de apoio aos calçados que ficam do lado de fora.
Até aí tudo bem, quando isso acontece de forma natural, por sua livre escolha e se não ferir seus valores individuais não vejo problemas.

Isso eu chamo de enturquecer: Você aprende a língua, a linguagem corporal, adquire alguns hábitos (por escolha, porque a sociedade turca os pede para sua melhor convivência com os locais). Você está bem consigo mesma e não em uma competição.

O que eu chamo de enturcalhar é nocivo ao meu ver: há expatriadas que, por ansiarem pela aceitação da família do marido e pelos amigos dele adotam a cultura cegamente, rapidamente, até anulando a própria cultura, se renascendo "turcas natas" numa atitude artificial que mais causa sofrimento futuro do que resolve o problema presente
Isso porque máscaras um dia caem, e o teatro acaba e o que sobra é falta de identidade.

Se isso fosse apenas uma escolha pessoal eu nem me daria ao trabalho de escrever esse post (cada um sabe de si!), porém esse tipo de pessoa incomoda quando entra numa quase "competição" com outras expatriadas - sejam recém-chegadas ou as mais antigas - pra mostrar que ela é "mais turca" do que a outra.

Uma amiga ucraniana relatou tal situação, quando uma amiga russa lhe ofereceu trabalho na empresa da família do marido. De vez em quando a amiga russa aparecia por lá, principalmente quando a sogra e a família toda (todos nos altos cargos) estavam em reunião e fazia questão de beijar a mão e levar à própria testa de todos eles. Nada contra o respeitoso hábito turco, mas muitos estrangeiros têm certa resistência. E minha amiga ucraniana pôs a mão da sogra da russa de lado e lhe beijou o rosto ao invés da mão. 

A turca deu uma olhada para a nora, que ficou toda pavão e soltou um comentário do tipo "ah ela vai aprender". Detalhe: minha amiga já morava na Turquia o dobro do tempo da outra!

Se a coisa toda tivesse parado por aí, ok mas não! Ainda tem mais: a russa ficava dando "dicas" e toques pra minha amiga de como se portar, isso e aquilo, do tipo "olha como eu estou adaptada e tal". Minha amiga acabou pedindo as contas e foi trabalhar em outro lugar.

Passado o tempo a amiga russa contatou ela para um desabafo, e minha amiga solta "ué, mas você não estava tão adaptada?"

 E a russa respondeu que fazia de tudo para agradar a familia do marido porque afinal ela tinha uma vida de mordomia e não queria desagradá-lo.


Considerações

Quando eu me dei conta desses dois fenômenos, parei de dar ouvidos a quem "enturcalha", a quem quisesse me empurrar goela abaixo o que eu devo ou não fazer para viver em harmonia com meu marido. Cada família tem hábitos e valores diferentes, cada um encontra a fórmula pra viver com estresse baixo no exterior. 

Quem enturquece compartilha as descobertas sem se crescer pra cima dos outros. O que é positivo, ajuda e só tem a somar.

Nos blogs e vlogs da rede tem material para todos os gostos: de quem fala que a Turquia é uma maravilha um verdadeiro paraíso na terra e há quem diga que é o inferno na Terra e declara ódio à Turquia e aos turcos.

De que lado você vai ficar numa escala de zero a dez vai depender de quem você escolheu para marido, da família dele, de como você vai usar sua inteligência emocional e de seu poder de resiliência.

E que a força esteja com você, ou como dizem em Turco "güç seninle olsun"


Beijo da Luci - de Sampa, ex- İzmir