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domingo, 17 de agosto de 2014

A expatriação e a solidão que vem em sua garupa

Olá,

De volta à minha terra natal, sinto-me mais à vontade para abordar assuntos pelos quais passei, e que fazem parte da vida de muitos expatriados: a solidão.

Se você se mudou para um país com uma colônia expressiva de brasileiros, e se esse grupo que você encontrou tem tudo a ver com você, ótimo. Mas nem todos tem essa sorte, infelizmente.

Ah, essa solidão!

Resolvi abordar o tema - apesar de totalmente fora do contexto da minha realidade atual - porque uma pessoa que nunca tive a oportunidade de conhecer, de quem apenas ouvi falar, e que também mora em Izmir, me ligou de lá via Viber para desabafar sobre isso!

Ela - expatriada, que não é brasileira - entrou para família de um amigo turco do meu marido, que acabou se tornando amigo meu também . Por várias vezes falei para ele arranjar um encontro, um programa onde eu pudesse conhecê-la - na tentativa de dar alguma orientação, tanto a ela quanto ao marido dela. Na tentativa de evitar que ela passasse por boa parte do que eu passei.

Oras, nenhum estrangeiro vem com manual de instrução ...

Acabamos não nos conhecendo pessoalmente, eu também não insisti mas soube pelo meu amigo que ela estava passando pelo mesmo calvário que eu passei: problemas na comunicação na hora de ir ao médico; o inverno e suas complicações; a comida ... Tudo isso com um agravante: ela e o marido não tinham uma língua em comum ... (essa situação eu vi diversas vezes por lá também).

Enfim, eu sei que ela me ligou, conversamos ... ela chorou, relatou que o marido não deixava ela sair de casa, porque onde eles moravam tinham muitos curdos (vocês sabem turcos não se bicam com curdos, existe sim a discriminação generalizada, vez por outra você até vê casos de amizade entre um turco e um curdo, mas isso não é regra) então ele não queria vê-la se misturando "com aquela gente". Ela também conheceu algumas amigas compatriotas, mas como essas já estavam há anos lá, falavam turco, tinham a vida resolvida acabaram não dando muita bola pra ela.

E nas reuniões familiares, ela ficava de canto sem conversar com ninguém. 

Quando me disse essa última frase, começou a chorar. E eu chorei junto!

Lembro de uma festa de casamento em que meu marido me colocou pra sentar junto com as mulheres da família dele, e eu, me sentindo de canto, me levantei e fui me sentar do lado dele, reclamando porque ele tinha me feito aquilo.

- Não sou sua babá, você tem que aprender turco!

Era meu 3o mês lá, eu não tinha feito curso nenhum ... como ia aprender daquele jeito?

Me deu ataque de pânico, gritei falando que queria voltar pro Brasil e saí pra rua ... como se o Brasil ficasse na esquina.

Ele correu atrás de mim, perdemos o casamento (as cerimônias são muito rápidas...) e sentamos num Café onde ele decidiu me colocar num curso de turco.

MESMO após atingir certa fluência no idioma, passei por situações em que tentavam me colocar de canto. Foram muitas brigas com meu marido por conta disso, até que eu cheguei a uma conclusão:
- A culpa não é do meu marido. A culpa é de quem faz isso !

E passei a direcionar minha bronca pra pessoa mesmo, cutucando e argumentando "ô querido, vai me virar as costas mesmo? Eu já falo teu idioma, me matei de estudar pra aprender turco, qual é a desculpa agora?"

Teve uma outra, antiga vizinha de prédio da minha sogra, que ao me ver com meu marido no elevador, deduziu que eu fosse a estrangeira de quem ouvira falar. E fez gestos e falou estranho comigo, tipo, como se estivesse falando com o Tarzan - isso depois de 2,5 anos de İzmir !. Eu, que há muito perdera a paciência com esse tipo de situação perguntei em turco pro meu marido:

- Qual o problema dela? Ela não sabe falar ou tem problema mental?

A mulher tomou um susto! "Ah, você fala turco???" perguntou espantada. 

A porta do elevador se abriu, e eu nem falei nada, saí deixando ela ser ridícula sozinha...

Feio? Feio foi o que me fizeram passar por quase 3 anos...Constrangi algumas pessoas de propósito mesmo, e na frente do meu marido para ele ver que não era coisa da minha cabeça.

Mas eu encontrei muita gente legal que me conhecia por nome, que puxava uma cadeira e me servia um copo de chá - e muitos deles nem conheciam meu marido, eram contatos que EU fizera.

Houve a época em que fui cobrada por não ter amigos ... e soube de muita gente que passou pelo mesmo que eu aí com os respectivos maridos turcos. Soube de gente que, em seu isolamento, conversava com os vegetais enquanto preparava a comida ... 

Com o tempo, esforço e ajuda - do seu partner ou de alguém que te integre aos locais -  você cria laços, se integra a sociedade e toma seu rumo. O isolamento é um monstro que precisa ser combatido, porque seus efeitos colaterais são muitos, dentre os quais eu destaco o risco de pularmos de cabeça numa amizade que não tem nada a ver com a gente com compatriotas, e depois trazer confusão pra dentro de casa - como eu vi acontecendo comigo e com muita gente.

Hoje, aqui no Brasil, ele vê quem eu sou, e como o povo brasileiro acolhe o estrangeiro. Hoje, ele entende boa parte da ladainha em muitas de nossas brigas por conta do assunto abordado neste post.

Hoje ele sabe o que significa "hospitalidade" no dicionário de português brasileiro :-)