Pesquisar neste blog

sábado, 25 de janeiro de 2014

A difícil arte de ser estrangeira e a luta diária para realizar tarefas cotidianas

Olá pessoal,

Gostaria de compartilhar dois fatos recentes que ocorreram comigo, e que ilustram o que muitos expatriados e expatriadas enfrentam e que somente quem passa por isso entende.

Comentar essas coisas com um turco é pedir pra ser chamada de "exagerada" - a menos que esse turco* presencie a cena, característica do que eu chamo de síndrome de estrangeiro - a yabancı sendromu.

* (digo "esse" me referindo a figura do marido turco, porque a maioria das expatriadas que leem o blog, creio eu, é casada com turco)

Situação 1: comprei uma máquina de lavar louça para minha sogra e me prometeram que seria entregue na segunda. Não entregaram a máquina como prometido e meu marido tentou várias vezes ligar na Teknosa e ninguém atendia a merda do telefone.

Perguntei para meu marido se ele queria fazer a reclamação pra resolver o assunto ou se preferia que eu o fizesse.

O que ele respondeu?

"- Vá você porque você faz isso melhor do que eu, enquanto isso vou ao mercado comprar o que falta pra casa."

Ok, agora vamos analisar a importância dessa resposta dele:
- nos meus primeiros posts relatei por diversas vezes das pessoas me podando, me controlando ou tentando me controlar pelo fato deu ser estrangeira, não falar turco e ... enfim, ser como uma criança ou deficiente mental aos olhos deles.
- depois, a desculpa para eles tomarem a frente e se meterem na minha vida era porque "eu não falava bem turco o suficiente para lidar com uma série de assuntos."

Mesmo diante das duas situações acima EU NÃO PERMİTİ que me controlassem - mesmo meu marido.

- Treine-me, senão você vai ter uma filha grande pra sempre na sua vida, ao invés de uma mulher de verdade, independente e adulta. - foi o que eu disse para meu marido, no dia em que finalmente ele entendeu o que eu queria dizer.

E ele me treinou, e ainda me treina. Sou muito grata pelo meu marido ter me ajudado a me tornar o que me tornei.

Excesso de proteção faz mal mesmo para crianças, imagina para nós, adultas oriundas de nossos próprios mundos que governávamos com esmero antes de deixar tudo e nos mudarmos para cá.

O fato dele admitir que "aquela situação eu seria capaz de resolver melhor do que ele" foi a declaração da minha vitória nesse ponto da "síndrome de estrangeiro", ponto que afetou muito nosso casamento no começo. Eu me sentia podada e impotente.

Hoje eu sinto que posso ganhar o mundo ...

Hoje eu me sinto gente, tenho meu papel em casa como esposa, mulher adulta que divide as tarefas com o marido - e não que fica esperando ele resolver as coisas por mim. Muitas vezes, sou eu que tenho resolvido até os problemas dele.

E que o Senhor seja louvado por tudo isso.

Bem, a máquina foi entregue no dia seguinte... :-)



A segunda situação: fui fazer exame de sangue no Buca Tıp Merkezi (recomendo, você usa seu SSK e paga bem menos)

A enfermeira pegou o formulário e, imagino que por ter visto meu nome de estrangeira passou a fazer gestos para mim, com os olhos arregalados, como se eu fosse verde ou a Jane do Tarzan. Não falava nada, só gesticulava e fazia caras e bocas. E todo mundo olhando pra ela e pra mim.

Antigamente eu reclamava com meu marido sobre as atitudes dos outros. E soube que muitas de minhas amigas expatriadas fazem o mesmo. Isso mina o casamento minha gente ! E percebi isso em tempo, então problemas que ocorrem na rua a gente resolve NA RUA. Eu tinha era que dar uma resposta PRA ELA, e não encher a orelha do meu marido Mustafa.

Olhei pra cara dela como se ela estivesse fazendo algo bem rídiculo - e de fato estava - e falei num tom como quem fala o óbvio:
- A senhora pode falar em turco se quiser...
- Ah, você fala turco ???????????????????????
- Acho engraçado ... - e balancei a cabeça para os lados, como quem reprova algo que alguém faz -  faz dois anos e meio que moro aqui e o povo daqui ainda tem medo de mim, não sabe como lidar com estrangeiro ...

Ela ficou vermelha de vergonha, ou deve ter se sentido uma caipira, e pediu desculpas. Depois ficou conversando comigo enquanto colhia o teste.

Mas eu falei. Mandei meu recado. E não enchi a orelha do meu marido, que me aguardava fora da sala.

Deixo meu abraço e meu beijo pra todo aquele que, como eu está na luta em terras estrangeiras. Nunca acredite que você não vai conseguir, mesmo que lhe digam isso. Porque Deus é maior do que tudo.

Um beijo

Luci